domingo, 7 de junho de 2015

Desistência das Ações - Terreno da Sulca


     Uma das principais funções deste blog é a de registrar nossas opiniões e pontos de vista e esclarecer nosso posicionamento, de uma maneira clara e transparente, em nossas condutas, avaliações e posicionamentos nas votações da Câmara Municipal de Caçador. Para aqueles que não acompanham ou vivenciam diretamente as discussões e votações, pode ser que as sessões pareçam enfadonhas ou sem importância, em sua maioria. No entanto, todas as questões importantes de nosso município e da vivência em sociedade são levadas até a Câmara e, por vezes, esta relevância fica evidenciada nos posicionamentos tomados pela Câmara de Vereadores. 

     Uma destas ocasiões foi, exatamente, a votação de Projeto de Lei que autorizava ao Município de Caçador a desistir de ações de reversão de posse do terreno de propriedade do Município e que foi doado à empresa Sulca, que veio a encerrar suas atividades devido a processo de falência, ainda no ano de 1991.


     Gostaria de esclarecer todos os pontos desta votação que, sem dúvidas, foi o projeto que mais demandou esforços, estudo e deliberações em todo o mês de abril e, seguramente, teve um grande significado e grande importância, com imensas consequências para toda a população.

      Reafirmo nosso posicionamento contrário à aprovação do projeto de lei e gostaria de enumerar e explicar aqui as razões que embasaram este nosso posicionamento. Peço licença aos eventuais leitores deste blog para um texto um tanto quanto longo, mas é necessário que sejam registrados todos os detalhes, para que a explicação fique completa. Revendo as matérias de imprensa que deram a cobertura da aprovação do projeto, percebo que algumas lacunas ainda existem e acreditamos estar contribuindo, até mesmo com a história, ao descrevermos passo a passo o desenrolar deste projeto. 

     Inicialmente, como sempre é feito, o projeto, que havia chegado até a Casa Legislativa ainda no mes de março, foi estudado e deliberado na Comissão de Legislação, da qual fazemos parte. A novidade, nesta ocasião, é que recebemos a visita, na Comissão, do atual síndico da Massa Falida da empresa Sulca, Dr. Anderson Socreppa, advogado de grande competência de nossa cidade. A presença do síndico foi motivada por um desejo de explicar aos vereadores a posição da Massa Falida e da própria Prefeitura Municipal, quando do envio deste projeto. 


     Dos estudos empreendidos, pudemos observar que, em uma lei de 1971, a Prefeitura Municipal de Caçador doava à empresa Sulca uma área de terreno para que esta construísse seu parque fabril, oferecendo empregos a muitos caçadorenses e trazendo divisas ao município. 

     No entanto, nesta mesma lei, estava previsto que, em caso de suspensão das atividades da empresa, o terreno retornaria à propriedade do município. Entendo que a falência é, em última análise, a suspensão das atividades e, portanto, haveria o direito de o Município de Caçador reaver a posse definitiva daquele terreno, utilizando-o para a finalidade que melhor lhe aprouvesse. 

     Entretanto, as benfeitorias edificadas no terreno foram realizadas quando este imóvel era de plena propriedade da empresa. Portanto, a única saída para resolver este impasse seria a indenização dos imóveis, através do pagamento de valores à massa falida da empresa. 

     Ainda em 1991, a Prefeitura Municipal utilizou-se deste artigo da lei para requerer autorização judicial para tomar posse do terreno e dos prédios onde, desde aquela época, instalaram-se diversos serviços públicos e entidades subordinadas ao poder público, como FETEC, Secretaria Municipal de Saúde, Centro de Especialidades Odontológicas, etc. 

     Para obter a autorização judicial, a Prefeitura de Caçador efetuou um pagamento prévio de valores indenizatórios que foram calculados levando-se em conta tão somente a tabela de IPTU do ano de 1991, multiplicando-se pela metragem quadrada da área construída, o que fazia um total de apenas pouco mais de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Obviamente, tratava-se apenas de um sinal, para que os valores efetivamente devidos fossem avaliados e posteriormente acertados. 

     Devido à absurda demora do sistema judiciário brasileiro, a avaliação do terreno e benfeitorias só foi concluída em 2004, quando obteve-se o valor que deveria ser pago, a título de indenização, de cerca de dois milhões e meio de reais. A partir daí, algumas contestações de valores foram efetuadas de parte a parte, não alterando substancialmente o valor efetivamente devido pela Municipalidade para obter a posse daquele terreno. 

     Entretanto, recentemente foi dado ganho de causa (em primeira instância) ao município de Caçador, em uma ação que previa a desapropriação dos bens aqui discutidos. Desta maneira, julgamos que seria um complemento lógico e natural imaginar que haveria também um ganho de causa na questão da reversão do terreno, apenas aguardaria-se o lento processo judicial. 

      O grande "X" da questão está em que, nesta decisão judicial, realiza-se uma conta que, por conta de "juros compensatórios" e "juros moratórios", o valor de indenização previsto de 2.5 milhões de reais, salta inacreditáveis 1000% e atinge o patamar acima de 24 milhões de reais. Evidentemente esta dívida, de 24 milhões de reais, para um município que tem seu orçamento de 2015 estimado em cerca de 160 milhões, é absolutamente impagável.

     Imaginando-me como administrador de um município que já está envolvido em uma ação judicial com este tema, que vê-se na obrigação de pagar um valor absurdamente acima do que realmente vale um terreno daqueles, que tem por obrigação cuidar dos interesses não apenas de um grupo, mas de toda a coletividade, pergunto-me, qual  a melhor atitude a ser tomada neste caso? 

     Honestamente, não vejo melhor resposta do que contestar judicialmente o valor proposto de indenização. Agir desta maneira, no meu entender, seria agir com prudência, equilíbrio e espírito público. 

     Todavia, ao invés disso, o Poder Executivo Municipal aceitou a proposta da Massa Falida e pretende desistir das ações judiciais que propôs para reaver a posse do terreno e, com isso, entregá-lo à massa falida para que esta possa negociar e saldar seus compromissos, encerrando o processo de falência que já se arrasta por longos 24 anos. 

     Algumas considerações devem ser feitas neste aspecto. Um projeto desta natureza, a desistência de uma ação judicial por parte do município, nem precisaria existir. Não cabe à Câmara de Vereadores decidir sobre se o Município deve ou não ingressar em uma ação judicial ou retirar-se dela. Esta atribuição é uma prerrogativa exclusiva do Prefeito Municipal, prevista na própria Lei Orgânica do Município, em seu Artigo 79, inciso II:

Art. 79 Compete ao Prefeito, entre outras atribuições:

II - representar o Município em juízo e fora dele;

     Ou seja, apenas o Prefeito Municipal detém o poder de uma decisão desta natureza. Foi comentado, à época da votação do projeto, que este gesto seria uma condescendência do Prefeito aos Vereadores. Minha interpretação é mais simples; prevendo futuros julgamentos, optou-se por dividir a responsabilidade. 

     De qualquer forma, o Projeto veio à Câmara e, como tal, deveria ser apreciado e votado. Num dos artigos do projeto, previa-se que uma vez revertida a posse do terreno para a Massa Falida, esta comprometeria-se a realizar o leilão da área para levantar fundos para o pagamento de suas dívidas e que, eventuais sobras de recursos, após o pagamento das dívidas, reverteriam aos cofres públicos, numa espécie de "compensação" ou "interesse público acima do interesse particular".

     Ninguém, em sã consciência, tem a menor expectativa que tal sobra se concretize. Pensando nisto, apresentamos uma emenda ao Projeto de Lei, que tinha por objetivo resguardar, ao menos em parte, o interesse do Município neste caso. 

     A emenda propunha que, uma vez desistido das ações e efetuado o leilão, limitasse-se o valor disponibilizado à Massa Falida proveniente deste leilão, à soma de 10 milhões de reais. Este valor não foi apenas um "chute", mas uma estimativa apresentada pelo próprio síndico da massa falida como um valor que se imaginava suficiente para pagamento das dívidas e quitação das pendências. Desta maneira, assegurava-se que, em havendo venda com valores acima deste, o excedente seria necessariamente revertido ao município. 

     Nosso interesse era tão somente obter uma mínima segurança quanto aos interesses de toda a população de Caçador. 

     A emenda nem chegou a ser apreciada em Plenário, pois recebeu o parecer contrário da Comissão de Legislação. Obviamente o parecer não foi unânime, pois faço parte desta comissão, mas fui voto vencido. Foi alegada inconstitucionalidade da emenda, pois estaria determinando regras a uma entidade (massa falida) que não estaria sujeita a estas regras. Uma pena. Acredito que teria sido uma ótima solução para todos os envolvidos. 

     Sendo rejeitada a emenda, passamos à votação do projeto propriamente dito. Nossas considerações durante a sessão estão apresentadas no vídeo a seguir. São cerca de 10 minutos de argumentação, que explicam parte do que estamos escrevendo aqui. 


     As discussões a respeito do projeto foram longas e transformaram esta sessão numa das mais extensas da história da Câmara Municipal de Caçador. Muitas pessoas estiveram presentes na sessão, em sua maioria ex-funcionários da empresa Sulca e também empresários que atualmente ocupam partes da área, através da FETEC.

     A maior parte das discussões centrou-se em algo que imaginei não ser o cerne da temática. Apregoou-se que, com a aprovação do projeto, estaria-se promovendo a "justiça social", que estaríamos finalmente entregando aos trabalhadores da Sulca um direito que lhes havia sido negado por todos estes anos. 

     Em primeiro lugar, quero esclarecer que não há dúvidas que é extremamente justa a reivindicação dos trabalhadores quanto aos seus direitos trabalhistas não pagos. Há uma listagem, e ela faz parte da documentação que instrui o projeto de lei, que nomina individualmente cada um dos trabalhadores que tem algum valor a receber da massa falida. Pelas regras da falência de empresas, esta é a primeira dívida que tem que ser paga. Através de vendas de maquinários e equipamentos que foram realizadas em ocasiões passadas, parte das dívidas com os trabalhadores já havia sido paga, porém ainda restavam mais de 1.300 pessoas com valores a receber.

     É necessário informar, entretanto, que mais de 500 destas pessoas receberão valores inferiores a R$ 500,00. Este é o valor da dívida, já devidamente corrigida, da indenização a que têm direito. De toda a listagem encontramos tão somente 24 pessoas que têm valores maiores que R$ 5.000,00 para receber. Se considerarmos valores acima de R$ 10.000,00, são apenas 8 pessoas. Mesmo assim, consideramos que todas as dívidas, das menores às maiores, se são devidas, são justas e portanto, devem ser quitadas, desde o trabalhador que tem R$ 1,58 para receber até o que tem mais de 51 mil reais de dívidas trabalhistas não pagas. 

     O valor total das indenizações trabalhistas gira em torno de 3 milhões e meio de reais. Somado às dívidas de fornecedores, dívidas bancárias e outras, chega-se a valores incalculáveis. No entanto, de acordo com informações do síndico e de demais pessoas consultadas em nossos estudos, os acordos para pagamentos de dívidas desta natureza, especialmente devido ao tempo decorrido, tendem a ser extremamente vantajosos para o falido, haja visto tais valores já estarem há muito tempo contabilizados como prejuízo e qualquer retorno ser vantajoso para o credor. Por esta razão supunha-se que o valor de R$ 10 milhões de reais seria suficiente para o integral pagamento das dívidas. 

     Nossa consideração final tem a ver com o que julgamos ser o real centro da questão. O Município de Caçador deveria desfazer-se de um bem, em última análise de sua propriedade, para o pagamento de uma dívida que, por mais justa e meritória, não é sua? 

     Deveria toda a população de Caçador pagar para que as dívidas da massa falida com trabalhadores, fornecedores e credores fossem quitadas?

     Em minha avaliação, as respostas a estas duas indagações é NÃO.


     Ao desfazer-se de um bem, que foi informalmente avaliado em cerca de 15 milhões de reais (o terreno, pois os prédios estão praticamente inservíveis e provavelmente, em caso de venda, sejam simplesmente derrubados para a construção de algum empreendimento), o Município de Caçador abre mão de recursos que poderiam ser empregados em benefício de toda a sua população. Acredito ainda que a melhor conduta teria sido, no mínimo, a contestação dos valores arbitrados na decisão de primeira instância. 

     O resultado da votação é conhecido de todos, 8 a 3, abstendo-se da votação o vereador Valmor, por manifesto interesse na matéria, visto que também é beneficiário das indenizações trabalhistas, representante sindical da maioria dos trabalhadores e ainda representante judicial, como advogado que é, de outros tantos, e votando contrários à aprovação do projeto, o vereador Jorge, vereador Moacir e eu mesmo. 

     Considero que tinha a obrigação de deixar por escrito aqui todas as minhas impressões e considerações a respeito deste assunto. Agradeço a paciência de todos quantos dispuseram-se a acompanhar nosso raciocínio até aqui. Mesmo depois de 40 dias transcorridos da aprovação deste Projeto de Lei, considero que o assunto ainda mereça esta atenção. 

      Ingressei na Câmara Municipal entendendo que minha atribuição e obrigação era a de tomar decisões e assumir responsabilidade destas decisões, baseado no que eu considerar como o mais justo e mais adequado ao interesse público de nossa cidade. É isso o que temos feito desde então e tenho a tranquilidade de afirmar que também o foi no caso deste Projeto de Lei.